sábado, 21 de novembro de 2009

Namoradinha do Brasil

  Era uma vez uma garota dentro de um caminhão. Tinha um volante no horizonte e um motor no coração. Não entendia que na vida lhe faltava constância. Vivia cheia de liberdade, até que ela gerou-lhe a ânsia. Não ânsia de viver ou de se libertar. Era ânsia de paz ter, ânsia de ser um lar. Fazia paradas para vomitar. Sentia-se mareada só em sentir o cheiro do mar. Lentamente, um mundo com um único habitante fazia-se em sua barriga bronzeada. Sutilmente, uma vida se formava deixando-a despedaçada. A vida lhe trazia medos; lágrimas escorriam-lhe pelos dedos. Sua alma era viajante, não tinha outro dom. Percorria a vida cantando sem perder o tom: "Batom na boca, sangue no quadril. Naturalmente, namoradinha do Brasil".
  Até que um dia, seu corpo desabou; um vento forte soprou e a bolsa estourou. Pode não parecer, mas até que doeu. Um novo humano saiu e gemeu. Agora era uma mãe, e um pai também. Sabia que para ela a vida não diria amém. A criança era bonita e tinha os olhos azuis. Viveria uma vida esquisita em meio ao som do blues.
  A mãe não tinha cuidado. Vivia em função de um ou outro namorado. Gostava das noitadas e de toda boemia. Gozava nas viradas de ano, e era só poesia. E quando (se) acabava, pedia mais, pedia mais, pedia mais. Dizia please. Mas, bem lá na verdade, queria bis.
  E o bebê sorria. Sorria com sorriso de sorrir fotografia. A vida lhe era festa e o sangue lhe fervia. Fizera oito anos e odiava maresia. Numa noite sombria punha-se a rodar.
  Até que um dia, veio-lhe a fúria e a incomunal rebeldia. O garoto fez-se injúria para uma vida que ruía. Fizera 15 anos e cansara-se das noitadas à beira-mar. Deu adeus as namoradas e ao seu nômade lar. A vida lhe chamou e ele foi lá.
  A mãe o ignorou. Disse 'vai', o filho foi e lá voou. Em seu caminhão pôs-se a dormir. E, com um novo amante, a sorrir.
  Até que acabou-lhe a sorte. A Garota do Caminhão chegou em seu leito de morte. Um câncer lhe destruiu o coração em um só corte. Morreu abraçada a foto do filho fugido. E ele, no Sergipe, nunca soube que sua mãe tinha morrido.

domingo, 1 de novembro de 2009

A pergunta

Era um domingo de manhã, entre tantos que esta família já havia passado. A rotina não mudara: o pai lia o jornal, sentado no sofá, a mãe tricotava uma nova roupa para o pequeno que viria logo menos, e a filha caçula brincava com os blocos de montar no tapete. Uma típica família respeitável.

- Mãe, o que é sexo?

A mãe derrubou as agulhas e a linha no chão. O pai largara o jornal imediatamente. Meu Deus, sua pequena, falando em sexo, nessa idade? Esse mundo está perdido!

- Filhota - o pai ainda estava sobressaltado -, onde foi que ouviu isso?
- Na escola, ué.

"Ok, aja naturalmente. Ela tem seis anos. Não vai entender muita coisa. É só enrolar com o papo da sementinha e, tenho certeza, ela vai parar com isso"

- Então, é assim: o papai, quando viu que o amor que tinha pela mamãe era muito, muito grande, plantou uma sementinha dentro da barriga dela. Essa sementinha cresce feito o feijão que você plantou na escola, lembra? Vai vindo folhinha por folhinha...
- Pai, isso eu sei. Eu quero saber o que é sexo!
- Amorzinho - a mãe tentava interceder, diante do desespero evidente do pai -, posso conversar com o seu pai, pra eu já te contar o que é... É... Sexo?
- Tudo bem, vai. Mas, quando eu voltar, vocês vão me contar o que é sexo?
- Vamos, eu prometo.

A filha saiu batendo o pé. Os pais se entreolharam, assustados.

- Querido, acho que já tá na hora de ter esta conversa.
- Não mesmo! Eu só fiquei sabendo quando tinha uns dez anos. Tá cedo demais. E, além disso, essa escola, hein?
- Tava pensando nisso, também.
- Ah, não, ela tá voltando.
- Amor, seja natural. Não é um assunto tão difícil assim...

A pequena desceu a escada, a expressão normalizada.
E um caderno debaixo do braço.

“Ah, ela deve ter a explicação nesse caderno. Tão pequena, já estudando essas coisas? Pô, é a primeira série...”
“Até ontem ela nem sabia ler... Será que eu perdi tanto assim do crescimento da minha filha?”

- Mãe, é por causa disso aqui.

E para alívio geral, os pais constataram que o sexo que a filha se referia era apenas isto:

Sexo: ( ) masculino ( ) feminino

- Mas, mãe, onde eu assino?
- ...