quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

In the rain

Desde as três da tarde, o céu fechara; as nuvens, antes esbranquiçadas, fecharam-se num cinza furioso. Mais furiosa estava ela, que viajava pra casa enquanto os outros apenas se deslocavam para seus respectivos bairros. Péssimo dia para esquecer o guarda-chuva. A vida de outros parecia uma sequência lógica diante da sua, sem razão ou proporção. Droga, já estava misturando matemática a devaneios! Talvez seus amigos estivessem certos, não deveria estudar tanto.

Correu o mais rápido que as pequeninas pernas puderam acelerar, na hora. Ah, mas tinha aquela história que dizia que correr na chuva era pior. Andaria então, que jeito? Queria ter um guarda-chuva nem que fosse apenas para rodá-lo na praça vazia, num singingintherain que lhe fizesse esquecer, ao menos, o trânsito, o ponto lotado, a vida, aquela silhueta esguia adiante...

Silhueta esguia?

Não percebera aquele talo de couve-flor caminhando mais à frente. Era ele, de certo; onde mais encontraria alguém com um cabelo tão inacreditavelmente - e irremediavelmente - desarrumado? Tentativas de penteá-lo eram vãs, já que o cabelo era tão anarquista quanto seu dono: sem leis e correntes.

Ele tinha um guarda-chuva. Boa desculpa. Boa nada. Qualquer frase que pensasse terminava nos dois debaixo daquele guarda-chuva. Ah! Atiradagem de primeira e desculpa de última.

As pernas estacionaram, de supetão. A silhueta, lá na frente, agora voltava o caminho.

- Menina, olha teu estado! Vai ficar gripada.

Sorriso involuntário, fantasiado de vergonha pela bronca inesperada. Mal podia ver através dos seus óculos bombardeados dos pingos insistentes. Sorriso do outro lado. Pelamor, não faz aquelas covinhas aparecerem, vai ser meu fim.

- Eu esqueci o guarda-chuva, e acho que São Pedro não vai terminar o trabalho tão cedo.

- Vê se me fala, da próxima vez. Não gosto de ver você, com esse seu tamanho, andando molhada por aí. Agora, fica aqui. Se não sou eu pra cuidar de você...

Recomeçaram a andar. Tudo bem, ainda não cantaria na chuva do jeito que imaginara. Mas
aquele walking-in-the-rain estava de bom tamanho, por hora. A chuva não pararia mesmo... Que continuassem eles, então.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

May Scrap e Johnny Pepper




E num requebrado, tornou-se de May Scrap seu eterno namorado. Eterno sim. E em seu quadrado, pôs-se a suspirar por aquela dama de cetim.
Ela alternava entre Elvis, entre Maysa, e à la Carmem requebrava. Sangue fervia. Ele a almejava, aplaudindo ao final de toda louca melodia.
Ao findar das canções, o espaço esvaziou-se de quase todos corações. Sobraram dois. E sem uma ou duas razões, May aproximou-se dele três segundos depois.
E o music bar foi insuficiente para tanto sangue a pulsar. Tudo tão sem defeito. De ardor encheu-se o ar. Queria-o mais que tudo, queria-o de todo jeito.

Eis que então, beijaram-se de súbito, rangendo os lábios de paixão. Foi intenso, May afagou-se com um lenço, num minuto imenso.

‘Como chamas?’ ‘Chamo-me Johnny Pepper, que há muito tanto amas.’ Clarão forte de luz. ‘É o dono de tantas famas?’ Ele ignorou com um beijo ao som do blues.
Como toda artista, tinha May um camarim na periferia de sua vista. Como num cinema. Johnny, um ensaísta, ofereceu um Vogue para uma noite plena.
Uma noite indecente foi embalada pela passion de um casal carente. May disse please. E em sua mente, Johnny Pepper sossegou-a até sorrir feliz.

Amanheceu, e o coração de Johnny de sua musa se esqueceu. Because the love logo se move quando em tudo chove.

May voltou ao Rio.
Johnny sorriu.
May fugiu do norte;
Não teve sorte.
May cantou Come Back
E abriu um leque
Para lembrar-se de Pepper.