domingo, 31 de janeiro de 2010

Mudo


Era um menino, destes que só nos enganam no tamanho. Pouca idade, cigarro de canto de boca,
baba por fazer. Olhos perdidos.

Há tempos era observado, com curiosidade, por toda a sala. Logo ele, iniciador das brincadeiras, riso constante, agora portador daquela angústia em forma de silêncio. Seu olhar era pólo igual, repelia a preocupação, desdenhava da própria condição.

Ela estava ao seu lado, como de costume. A maledicência corria solta, à parte dos dois. Como se todas aquelas línguas entendessem o fim da carne e o começo da alma. Há amores que são feitos mãos; outros, puramente de coração.

Ele tentava manter a feição dura, cavaleiro armado para uma guerra. Sem saber o que enfrentaria. Sem ter uma certeza de vida, ou morte. Ela sentia na sua dor o lamento de quem sofre e grita, sem voz. A dor dela, a impotência de estar longe, mesmo estando perto.

O rosto, até então impassível, contraiu-se em tristeza. As pernas correram, sem direção, só sabendo que precisavam chegar. Num rompante, ela já estava em seu encalço. Viu uma lágrima indecisa, em um cai-não-cai sem término. A lágrima era tão dura quanto uma lança, empunhada por este cavaleiro reticente. Talvez o cai-não-cai de fora fosse o reflexo de dentro, onde ruía lentamente um esqueleto de construção.

Os dois estavam arfantes.
- Você não deveria ter vindo aqui.
- Não é vergonha nenhuma ter alguém com quem andar junto. Ainda que mudos, os dois.

A caminhada seria longa. Eram jovens. As pernas estavam descansadas, e o juízo não era lá muito. Mas era suficiente para fazer aqueles olhos tristes sorrirem.