sábado, 31 de julho de 2010

Eu Te Amo

Contos Eróticos: Eu Te Amo
  Ficou ali por cima dos lençóis e edredons manchados de batom e violência, a contemplar o corpo nu daquele estrangeiro, o sapato dela a pisar no sapato dele, cigarro jogado ao chão. Ela escorria os dedos no pescoço deitado, pressionando as unhas longas, as mãos descendo, arranhando-lhe o peito branco. Ele dormia o sono dos saciados, quieto como pedra, leve como pena. Ela já ia saindo da cama, os seus pés a pisar nas pernas dele, mas no rádio ao lado tocou Eu Te Amo e ela ficou, só para ouvir e nada mais. Cantou baixinho junto com o som do rádio, fazendo paradas rápidas para uma ou outra dose da tequila que dormira por cima do criado-mudo. Abajur a emitir luz fraca e tosca inutilmente, uma vez que o sol já chegara e seus raios, ainda que preguiçosos, percorriam pelo quarto pequeno. Ela, com a mão a acariciar o corpo quente do estrangeiro, lembrou-se de outrora, da madrugada, quando tudo perdeu sua forma e encontrou-se por debaixo das ranhuras da noite eterna. E os lábios esboçaram um sorriso desses de saudade que não se vê em cinema ou televisão. Eu Te Amo acabou e ela pôs os pés para fora da cama. Eles, os pés, tocaram o chão e queimaram-se com o cigarro. Ela não ligou, pôs as mãos na face harmônica dele e aproximou-se dos lábios parados, como se para se despedir. Mas os lábios se mexeram: "Fica", disseram eles.
  Deus, por quê? "Olha", tinha dito ela no dia anterior, "nada é amor; vodka é uma coisa, guaraná é outra coisa, e amor não é nenhuma delas". Ele não poderia dizer fica, ninguém tem o direito de dizer fica. Porque as noites, mesmo sendo eternas, passam - e o que passa não volta nem fica, pois agride, inflama, dói. Ela chorando, não pelos olhos, mas por dentro, na parte da alma, não na parte seca como sol do norte e fria como copa de bordeaux. Então, ela resolve virar-se, fingir que ele não está lá, com seus lábios trêmulos, face límpida e corpo de mochileiro. Pôs a liga e abotoou o sutiã. Fica, tinha dito ele. Não podia, não devia, não era certo - mas não era errado. Ela era ela, a vagar pelas noites, a descobrir novos mundos. Lábios tremulos, face límpida e o corpo de um estrangeiro a amarraria. Céus, por que pensava? Por que sequer cogitara a ideia de ficar? "É suicídio", pensou, "matarei a mim mesma para dar lugar a uma outra".
  Ela resolveu deixar que uma lágrima saísse-lhe dos olhos, caindo da face, chegando no corpo do estrangeiro. "Não chora", falou o homem; "Fica". Ela aborreceu: lhe deu um beijo violento, desses que mordem o lábio como um cão faria, enfiou-se num vestido preto e puxou a maçaneta que os separava do resto do mundo.
  "Não", disse ela pouco antes de adentrar no exterior do quarto. Tirou com força a última lágrima do olho castanho e saiu correndo, descalça e tonta, rumo a si.

5 comentários:

  1. Complexo, inteligente e belo.
    Adorei principalmente a expressão "adentrar no exterior do quarto". Genial.
    Beijos :*

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  2. Talvez ela se encontraria se ficasse. :S

    Adoro essa outra forma "comportada" que escreve, Bertonie. E já disse isso.

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  3. E não viveram felizes para sempre .. =/
    Não entendo esses fins inacabados. é como matar metade da sede.. parece saciar, mas depois fica muito mais forte ..
    A história não deixou de ser linda *----*
    beijos, beijos.

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  4. U-a-u. Me arrepiei.
    Teria ficado, tão sentimental. Paixão, por que não né?
    Ou teria ido, talvez. Essa coisa de sentimentos é muito abstrata.

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  5. Tirou com força a última lágrima do olho castanho e saiu correndo, descalça e tonta, rumo a si.

    suspiros por esse seu conto!

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Caso o hóspede não aproveitou dos serviços desse hotel, a equipe do Hotel de Papelão acha melhor não usufruir dos meios de comunicação aqui presentes. Atenciosamente, Bertonie e Sam.
Resumindo: não leu, dá meia-volta e abraça a pessoa mais próxima. Mas não comenta. Beijo, nos liguem.