sexta-feira, 11 de junho de 2010

Sofia


Sofia sofria. Sofia sofria por não sofrer, por viver a vida escrita. Sofia tomava Domecq da adega nobre da cidade, quando queria tomar vinho barato em motel de beira de estrada enquanto bailava e gargalhava ao som de Amy Winehouse na vitrolinha. Sofia usava Louis Vuitton, quando queria usar jeans rasgado comprado com pressa na estação onde pegaria o trem que rumava o reveillon de Copacabana. Sofia escrevia poesia, quando queria escrever diário algum que valha a pena.
Mas, apesar disso e apesar daquilo, Sofia sorria.
O telefone tocou. Era ninguém - só um moço. Não um qualquer, mas um que almejava o pequeno coração da menina Sofia. Ela ignorou - deixou o telefonema morrer-se. De correntes para prendê-la bastava a da sua vida escrita.
 Sofia deitou e olhou o teto. Era madeira, jacarandá da Amazônia, talvez. Queria olhar para outro teto - o do céu estrelado. Fechou os olhos e os abriu. E deparou-se com um céu pontilhado. Ironia da imaginação. De repente, percebeu que algo a incomodava, espetando-a levemente, e um estranho cheiro de natureza atingiu-lhe o nariz. Surpresa, Sofia percebeu que não mais em seu apartamento estava. Atordoada, correu ao encontro das luzes dos carros que cortavam a noite. E percebeu que não aquilo era ironia da imaginação. Podia sentir que era realidade - realidade que a tocava e a afetava. Viu uma grande placa verde que com letras brancas dizia: "Bienvenido a Buenos Aires". Olhou confusa para os lados, o vento e os carros passando, um pequeno jardim ao fundo.
   - Está fazendo o quê, maluca? - perguntou uma garota ruiva com as mãos nos ombros de Sofia.
Pálida, olhou para as próprias mãos. Numa delas, uma garrafa meio cheia ou meio vazia de um vinho qualquer, desses que vendem em padaria. O rosto pasmo deu lugar a um sorriso há muito adiado. Não entendia nada, mas estava como sempre quis estar: livre.

6 comentários:

  1. Lindo, lindo. E muito bem escrito (;
    Eu gosto de textos que vão bem fundo na personalidade do personagem e esse confirma o ditado que dinheiro não traz felicidade. Não mesmo. Beeijos.

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  2. Eu gostei demais desse texto, e isso me fez ler as coisas mais antigas.
    Me apaixonei por este blog e estou seguindo, pois é.
    Estou linkando também, prova de que realmente adorei.
    É isso, aí :)

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  3. Vou lhe confessar: Tenho uma fantasia de de repente sumir, ir para um lugar internacional, não deixar nada - nada - para trás e ver o que acontece. Se eu poderia largar meus problemas onde nasci. Mas o que me bloqueia de pegar uma bebida qualquer, economias e tudo o que tenho direito: quem amo. Ai no caso a sua garota não tinha quem amar. Era o que faltava na vida dela. Tomara que em Buenos Aires ela encontre esse alguém.

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  4. cara...vc ta escrevendo muuuito bem...
    esse jogo de sofria por nao sofrer...
    serio!...muito bom...
    continue me dando o prazer de ler algo tao profundo assim mais vezes...shahsahshua
    beijos

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  5. Acho que nem sei como é me sentir livre desse jeito... Bem que gostaria.
    Abç.

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  6. serio amei , achei seu blog por acaso e nosa eu to começando agr tambem a escrever e amei , seegindo ja *-

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Caso o hóspede não aproveitou dos serviços desse hotel, a equipe do Hotel de Papelão acha melhor não usufruir dos meios de comunicação aqui presentes. Atenciosamente, Bertonie e Sam.
Resumindo: não leu, dá meia-volta e abraça a pessoa mais próxima. Mas não comenta. Beijo, nos liguem.