sábado, 22 de agosto de 2009

Coluna dolorida

E lá estava ele, na frente do todo-poderoso da redação. O chefe. O manda-chuva. O cara. Todos aqueles que, atrás da porta envidraçada, estavam digitando freneticamente qualquer matéria digna de alguma notoriedade desejariam mais do que tudo estar sentados onde ele estava. Não, não podia fazer feio.

- Café?
- Não, obrigado.

O que dizer pra um cara que já viu de tudo na vida? Aquilo era raposa velha. Devia estar, provavelmente, há mais de 30 anos no meio jornalístico. Era conhecido pelo seu senso de humor um tanto negro e o sarcasmo evidente. Um homem adorado ou odiado. Ele estava naquela situação. E, com certeza, ser odiado não era uma boa ideia.

- Então, meu jovem. Você está aqui por uma chance que qualquer um naquela redação gostaria de ter. Uma coluna não é como estes artigos de "Idosa morre engasgada com sua dentadura". Coluna é um chamariz, só escreve quem é bom. E eu te acho bom, pelo menos até este momento. Quero algo original. Alguma dúvida?

- Dúvida, não. Só um pouco de surpresa.
- Então, vamos lá. Uma experiência. Escreva um esboço para segunda-feira. O assunto que quiser. Ora, vamos lá, não pode ser tão difícil.

Saiu da sala, com uma expressão indecifrável. Estava feliz, com certeza. Porém, a insegurança era grande. Ele, um colunista? Ele era jornalista - diplomado, fazia questão de ressaltar - a menos de cinco anos. Não tinha nenhum prêmio, nem cargo alto. Era só um cara que tivera sorte. Era sexta feira, melhor. Teria todo o fim de semana para pensar em algo.

Sexta à noite, cerveja com os amigos. Decidiu não contar nada - já pensou se não desse certo, com que cara ficaria? Sábado, o dia todo com a namorada, que não parava de insistir no casamento. Droga, por que mulher quer saber tanto de casamento, meu Deus? É ótimo só vê-la quando está de bom humor, não aguentar sua TPM e, principalmente, correr feito diabo da cruz quando era resolve discutir a relação. Fora que, se casassem agora, ela tocaria no seu ponto mais sensível: filhos. Pirralhos correndo pela casa, amassando seus papéis, querendo desmontar o controle da tevê. Não, ele realmente estava bem desse jeito. Domingo, almoço na casa dos pais, que simplesmente não entendiam como aquele vagabundo de outrora conseguira se formar com louvor em um curso tão concorrido. Os dois, diabéticos, comiam apenas pratos que estivessem de acordo com suas dietas e, com certeza, o gosto não era dos melhores. A irmã mais velha só falava do marido, o qual havia conseguido um emprego com ótimo salário em uma multinacional. O caçula ainda era novo - quinze ou dezesseis anos, não lembrava - e ainda estava na fase de msn-futebol-garotas-cama-garotas-videogame. Menino sortudo. Quisera ele essa vida de trivialidades...

Chegou em casa e deu-se conta que nada havia feito. A suposta coluna estava tão vazia quanto seu empenho em escrevê-la. A sua doía. A dúvida e o medo corriam em suas veias, como sangue. Ajeitou-se na cadeira, ouviu um estalido. A coluna. A porcaria da coluna estava doendo, de novo.

6 comentários:

  1. Colunista, um privilégio para poucos, uma chance unica .. Eu quero!

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  2. Ai, ai, e pelo jeito, este é só o começo da história (assim espero)...

    Fique com Deus, menina Sam e menino Bertonie.
    Um abraço.

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  3. Ahh, uma coluna é meu sonho. Quem sabe semanal, com crônicas inspiradas, *-* .
    Espero, assim como o Daniel, que tenha continuação!

    ;*

    Amei Sam .

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  4. Hã? O final me pegou de surpresa HAHAHA', seus finais sempre me pegam de surpresa '-'
    E um dos meus sonhos ever é ter uma coluna só pra mim em um jornal/revista da vida com a assinatura bem grande lá: JOÃO BERTONIE! hihihi
    Amei a história *-*

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  5. Ei, cadê o email com o texto do possível-futuro funcionário do nosso motel -n hotel, hã?

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Caso o hóspede não aproveitou dos serviços desse hotel, a equipe do Hotel de Papelão acha melhor não usufruir dos meios de comunicação aqui presentes. Atenciosamente, Bertonie e Sam.
Resumindo: não leu, dá meia-volta e abraça a pessoa mais próxima. Mas não comenta. Beijo, nos liguem.