quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Soco no estômago

_Aonde está sua irmã, hein?
_Não sei. Por acaso sou eu a guarda da minha irmã?
_Isso é jeito de falar comigo, menina? Peça desculpas, anda!
_Desculpa.
_Não ouvi, sua peste!
_Des-cul-pa!
A mãe foi dormir; a filha mais velha sumiu, mas que importância tinha isso? Mais cedo ou mais tarde seria uma filha pródiga. Ou não. Que importava? As estrelas já iam sumindo quando a tal primogênita resolveu aparecer. A garotinh
a cochilava o mais doce dos descansos infantis no sofá da sala quando a porta se abriu. A irmã chegara com os olhos rubros como se fossem explodir - eram duas dinamites, afinal - e com o bafo quente. Ela era altiva, magra de ruim, cabelos longos e negros. Beleza igual não havia em canto nenhum do continente. Mas era gauche por natureza, por sangue e por opção. Voltou com um alvo sorriso triunfante. Porém, em seu âmago, seus olhos brotavam cachoeiras. Abraçaram-se as irmãs sob os gritos da mãe com a mais velha. Abraçaram-se porque eram irmãs, e irmãs precisam apenas de um olhar para comunicar-se. As drogas matavam lentamente a primogênita e indiretamente a mais nova, ela sofria por ambas. Era um anjo. E anjos não costumam passar longas temporadas na Terra.Era domingo, o melhor dia da semana para a menininha, pela grande alegria de não ter nada a fazer. Passavam reprises de filmes dos anos 70 na grande e velha televisão da sala, quando três violentas batidas na porta de madeira lascada a fizeram quase derramar seu copo de café com leite. Ainda bem que quase, porque o leite já acabara, e leite nessa época do ano era caro. Abriu a porta com o cuidado que a mãe recomendara e foi atropelada por um sujeito forte e mal encarado que portava em uma de suas mãos aquilo que chamavam de arma de fogo. De armas de fogo só entendia o que via nas novelas. Mas quando viu-a pensou se tratar de uma de brinquedo e tratou logo de correr, mas foi detida com um soco no estômago. Não doeu. Dor, o que era a dor? O que era a dor para quem nunca experimentara a vida? Pensando bem, doeu sim! Doeu porque o poço da invisibilidade e da inexistência social não tem fim, e qualquer dor é a pior dor do mundo. E como dói o mundo! Se a menininha tivesse voz e alma naquele instante, diria o mesmo que Clarice Lispector: "A vida é um soco no estômago". Morrera a menininha dias depois no hospital. Percebeu que o mundo lhe agrediu, que aqui não era benvinda. Pregou algo no nariz que a impedia de respirar e caminhou até a mais ofuscante luz que viu pela frente...

13 comentários:

  1. Espera ai, que estória é essa da mais velha estar se drogando?!

    É engano meu, mas foi o senhorio do barraco que matou a menina por dever o aluguel?!

    Hua, kkk, ha, ha, brincadeira com um fundo de maldade.

    Mas escrevam sobre a felicidade mundial, mesmo que atualmente seja ver alguém se ferrar...

    Hua, kkk, ha, ha, mais outra brincadeira com um fundo de maldade.

    Fique com Deus, menino Bertonie.
    Um abraço.

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  2. que triste isso posha :/ chorei litros ok ;$ mentira nem chorei, mas foi um triste fim :~

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  3. Que triste. Lindo de uma certa forma e bem real. Mas triste. :/

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  4. nossa, "/ .
    Que triste fim da menina .

    ps :Amei suas críticas sociais !

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  5. Adorei o blog. Texto triste mas veradeiro, assim são as histórias da vida.
    Bj grande.

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  6. Bertonie...
    Você sabe tanto ser engraçado quanto ser sério. Adorei esse texto. Me lembra das muitas pessoas que estragam a própria vida e além disso arrastam os próximos com elas...
    Gostei da sua metáfora a respeito de anjos, e concordo. Parece irônico, mas muitas das pessoas boas que conheci partiram sem direito a um adeus decente. Talvez uma força maior esteja necessitando de boas almas :)
    Parabéns pela sua inteligência. Saber criticar e arrancar risadas é algo que não se acha com facilidade :X
    Beijos de uma mendiga feliz com esse hotel :*

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  7. Excelente.
    to sem palavras! hehe

    muito bom!

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  8. Foi bonito. Uma bela mensagem, mas o final foi triste de mais
    Massa aqui!!! Gostei do nome do blog!

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  9. A verdade dói, é triste, mas tem que ser dita. Adorei o texto.

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  10. Que lindo e triste ! E, mais uma vez o mundo mostra as garrinhas da sua injustiça .-. A mais velha que se mete em coisas erradas, e a mais nova que paga o preço...tsc tsc tsc

    ;*

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  11. às vezes pessoas boas morrem jovens pq não merecem essa vida terrena...gostei do teu texto!

    gostei tbm da expressão "magra de ruim" rs
    Bjão
    to te seguindo!

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  12. Que conto mais sutil. Metáforas perfeitas Bertonie, de verdade. E refletições verdadeiras.

    A linguagem então... ótimo!

    bjs
    ;**

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  13. Conheci este seu blog pelo Vida Cotidiana. Bem, fiquei maravilhada pelos seus textos. Parabéns! beijos

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Caso o hóspede não aproveitou dos serviços desse hotel, a equipe do Hotel de Papelão acha melhor não usufruir dos meios de comunicação aqui presentes. Atenciosamente, Bertonie e Sam.
Resumindo: não leu, dá meia-volta e abraça a pessoa mais próxima. Mas não comenta. Beijo, nos liguem.